Convite a Palestra A comunidade irrepresentável: introdução a uma ontologia comunicacional

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Data – 11/03/2015

local – Auditório B do CCHLA

Hora – 14:30

A comunidade irrepresentável: introdução a uma ontologia comunicacional
Maurício Liesen1

Pensar teoricamente a comunicação é encarar um desafio fundamental: a diluição dos seus principais conceitos na fala cotidiana. Mídia, comunidade e comunicação são palavras que todos usam e que, quando usadas, todos sabem bem do que se tratam. Mas quando se é instado a defini-las, surgem tantas conceituações diferentes e – na maioria das vezes – concorrentes, que

tal tarefa parece impossível. Essas palavras ganham ares de uma totalidade perigosa que devora qualquer coisa ou fenômeno. Com isso, perdem a sua força descritiva ou figurativa. Para uma teoria da comunicação, assumir essa indistinção sob o sedutor discurso de uma pluralidade interdisciplinar é, ao mesmo tempo, assinar seu atestado de óbito. Deixar que esses três conceitos fundamentais – medium, comunidade e comunicação – permaneçam na penumbra da indefinibilidade é relegá-los ao segundo plano. Melhor mesmo seria esquecê-los.

Uma alternativa face ao embaralhamento conceitual e à propagada falta de um cânone teórico na Comunicação seria descascar essas camadas semânticas a partir de um estudo histórico-conceitual. E, para isso, a filosofia – como a grande fonte e repositório do pensamento ocidental – pode fornecer um instrumentário capaz não apenas de evitar o esquecimento pela indefinição, mas de propor outros caminhos que renovem o pensamento sobre o fenômeno comunicacional com um novo vocabulário.

Nesta apresentação, gostaria de abordar como o conceito de comunidade foi tematizado, problematizado e transformado pela filosofia, principalmente a partir da segunda metade do último século, por autores como Georges Bataille, Maurice Blanchot, Jean-Luc Nancy e Roberto Esposito. O objetivo é aproximar essas reelaborações conceituais ao debate teóricocomunicacional para demonstrar não apenas como o conceito de comunidade é fundamental para a constituição de uma ontologia comunicacional, mas também para refrescar as posições de uma teoria da comunicação para além dos meios e das mediações.

Como conceito, a palavra comunidade foi envolta por incontáveis camadas semânticas durante o último século: do comunismo marxista e a sua noção de comunidade constituída por indivíduos produtores (o fundamento do ser humano é a produção através do trabalho e, portanto, os indivíduos constituem uma coletividade via trabalho); passando pelo par opositor sociedade-comunidade, que se reflete em outros tantos pares como cidade-campo, estruturas complexas-estruturas simples, individualismo-coletivismo; até à perigosa nostalgia ilusora de uma comunidade ancestral ligada ao sangue e à terra – presente no pensamento fascista.

Mas essas concepções de comunidade foram questionadas pelo pensamento pós-guerra da segunda metade do século passado. O escritor e filósofo francês Georges Bataille, com seu diálogo intenso com as obras de Hegel e Nietzsche, inaugurou uma outra forma de expor a comunidade a partir do seu limite, para além da noção de identificação. Para Bataille, a comunidade não pode ser entendida como um trabalho a ser produzido ou como uma comunhão perdida, mas como um espaço da experiência do fora-de-si.

Contudo, este conceito de comunidade em Bataille deixa-se apenas deduzir a partir da sua reelaboração do conceito de comunicação, espalhado em suas principais obras, como A Experiência Interior (1943), Sobre Nietzsche (1945) e O Erotismo (1957). Coube ao escritor e teórico Maurice Blanchot e, principalmente, ao filósofo Jean-Luc-Nancy, a garimpagem e lapidação deste

conceito que instaurou um debate revigorado sobre o ser-(em-)comum a partir de um diálogo entre Bataille e Heidegger – via Nancy, principalmente em suas obras A comunidade inoperante (1983), Ser singular plural (1996) e A comunidade afrontada (2001) e Bataille e Levinas – via Blanchot, principalmente em suas obras A conversa infinita (1969) e A comunidade inconfessável (1983). Mais tarde, o filósofo italiano Roberto Esposito retoma este tema com a sua sistematização e o confrontamento histórico das acepções de comunidade em Hobbes, Rousseau, Kant, Heidegger e Bataille, em seu livro Communitas: origem e destino da comunidade (1998).

Assim, essa palestra propõe empreender uma breve incursão neste diálogo iniciado por Georges Bataille, desenvolvido por Jean-Luc Nancy, correspondido por Maurice Blanchot e retomado por Roberto Esposito, para aproximá-lo aos conceitos de comunicação e de medium. Com isso, busca-se apresentar uma outra abordagem do conceito de comunidade, capaz de figurar não uma comunicação como comunhão, mas como ex-posição, como abertura àquilo que instaura a coexistência e o sentido.

¹Maurício Liesen é pós-doutorando da Universidade de São Paulo e pesquisador associado do Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação (FiloCom). Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2014), mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010) e graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (2007), entre 2012 e 2014 ele também atuou como pesquisador visitante do Instituto de Artes e Media da Universidade de Potsdam, Alemanha. E-mail: mauricioliesen@usp.br. Homepage: mauricioliesen.wordpress.com.

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